quarta-feira, 18 de julho de 2007

Triunfadoras que rompem fileiras


Vozes de mulher que apontam para outro feminismo

Aqui e além, pouco a pouco, como leves sacudidelas sísmicas, ouvem-se vozes de mulheres com ressonância pública que reinventam o orgulho de ser mãe. Muitas vezes são mulheres que conseguiram o êxito profissional, mas que advertem que isso não basta nem justifica o sacrifício dos seus desejos e satisfações familiares. O que pedem é que a organização social permita realmente que a mulher possa escolher nas diversas etapas da sua vida, sem que o Estado ou a empresa decidam por ela.
Raramente uma campanha política se manifestou com uma opinião tão marcada. É como se todas as mães do país se tivessem posto de pé como uma só mulher e gritando aos políticos: “Ouçam-nos, queremos ser mães”; assim escrevia Elise Claeson, jornalista sueca, na sua mais lida coluna no Svenska Dagbladet, um dos principais jornais do país nórdico, durante a campanha eleitoral do passado Setembro.
Durante décadas, a elite sueca procurou que a mulher esquecesse que é mãe. Chamaram-lhe `bagatelas de mulheres` na política sueca. “ Na verdade, é um rebate contínuo: nós as mulheres não podemos escolher livremente porque escolheremos mal. Daí surgem as medidas impositivas que tiram mais de metade tanto aos ingressos da mãe como aos do pai e dividem-nos em pequenos, muito pequenos subsídios para terem controlo sobre nós”.
Há sinais que indicam que na recente vitória do centro-direita na Suécia deve ter influído o voto materno num país onde a taxa de actividade das mulheres fora do lar é de 71,8%. “ Dar prioridade aos filhos é fazer uma má escolha, mas apenas para as mulheres. De facto não existem `bagatelas de homens`. Os pais que querem `fazer de mães` são os heróis da elite”, escrevia Claeson que narrou num livro como e porquê decidiu depender economicamente do seu marido depois do nascimento da sua segunda filha e enquanto criava as duas.

O princípio de Eva

Eva Herman, apresentadora durante dezoito anos do noticiário mais famoso da televisão alemã, poderia ser o modelo perfeito do êxito profissional da mulher postulado pelo feminismo maioritário. Mas Eva excedeu-se, provocando vergões na delicada epiderme social, quando escreveu na revista Cícero, no verão passado, que o abandono do lar por parte da mulher não é um imperativo categórico. Longe de se retratar, com a publicação em Setembro do livro "Das Eva prinzip" (“O princípio de Eva”), a apresentadora mostrou a sua pertinácia, politicamente incorrecta. Talvez respire pela ferida – passou por três divórcios e só tem um filho --, mas agora pensa que “as mulheres não podem, simplesmente, perseguir o êxito profissional e, ao mesmo tempo, criar adequadamente os seus filhos”.
Não deixar para trás as necessidades familiares diante das exigências da carreira é também o conselho de Harriet Harman, deputada trabalhista inglesa e aspirante a número dois da próxima candidatura eleitoral do seu partido. Hartman recomenda às mulheres britânicas “não ter os filhos tão tarde como eu” –teve três entre os trinta e dois e os trinta e sete anos-e considera que “a saúde e bem-estar de mães e filhos, e as opções pessoais, deveriam decidir a idade para ter os filhos, e não o mercado de trabalho”.
A historiadora francesa, Ivonne Knibiehler, conhecida figura do feminismo, de 84 anos e mãe de três filhos, explicava numa entrevista em Le Monde (09-02-2007) que “o feminismo deve repensar, em primeiro lugar, a maternidade: tudo o mais virá por acréscimo”. Afirma ainda que, desde o princípio, “estava persuadida de que a maternidade continuaria a ser uma questão capital da identidade feminina. Não podia contentar-me com essa ordem implícita: "Sê mãe e cala-te". Knibiehler já intuía que se tratava de “uma função social e, estava convencida de que se a ignorasse, ignoraria, no mínimo, metade das realidades maternas”.
Para Knibiehler, a conciliação não passa “necessariamente, por uma repartição igualitária das tarefas parentais”, “uma vez que as mulheres continuam a envolver-se mais que os pais, e porque limitar os cuidados aos filhos pequenos supõe uma privação. Será necessário que as novas gerações procurem resolver esta quadratura do círculo, de que, actualmente, padecem tanto os pais como os filhos”.

Guerra entre mães?

The Mommy Wars é um livro em que uma jornalista do Washington Post reuniu 26 reflexões de outras tantas mães. Tratava-se de procurar uma trégua na suposta guerra que existe no mundo anglo-saxónico entre donas de casa e mães que trabalham fora. Inda Schaenen que, num ensaio, se declarava “Radical Feminist Stay-at-Home Mom” (“mãe dona de casa feminista radical”), diz-nos que “as mulheres que se dedicam ao lar a tempo inteiro com filhos pequenos não têm voz na praça pública. Ainda que haja cada vez mais livros escritos por mulheres escritoras que ficam em casa, a voz das mulheres que não são comunicadoras naturais ou profissionais não se escuta, excepto nos parques infantis de recreio”.
É difícil que se ouça a sua voz quando a estrutura socio-económica actual está construída sobre a base de famílias com dois salários. Por isso a primeira exigência é a flexibilização dos horários de trabalho e a melhoria das ajudas aos que trabalham fora de casa: creches e infantários gratuitos, licenças de paternidade e maternidade, colégios abertos durante as férias... Algo, sem dúvida, necessário para conciliar trabalho e família.
Mas também há que atender às necessidades das famílias que decidiram organizar-se de outra forma. O discurso social e político ignora as famílias em que um dos cônjuges, geralmente a mãe, quer trabalhar voluntariamente a tempo inteiro para o seu lar, economizando o Estado dinheiro em futuras creches ou residências geriátricas. O resultado é que não há liberdade para optar pela família e pelos filhos.
Os meios de comunicação social suíços documentaram o que poderia ser um fenómeno de novas donas de casa, desde a publicação do livro de Eva Herman na Alemanha. Precisamente na Suiça publicou-se, na mesma altura, um livro intitulado Dona de casa, o melhor trabalho do mundo, de Marianne Siegenthaler, que fala destas mulheres como “administradoras domésticas”.
Essa nova dona de casa define-se como uma mulher com uma boa formação académica, que abandona a sua carreira profissional, temporária ou permanentemente, para se converter em “mãe a tempo inteiro”. Esta expressão também parece destinada a reabilitar uma ocupação que talvez não tenha sido devidamente valorizada durante anos e que, ideologicamente, tem sido maltratada nas últimas décadas. O valor acrescentado desta renovada opção pelo lar, consiste em que, nem a sociedade, nem a tradição, nem os costumes dominantes coagem a mulher que opta por ele – poder-se-ia afirmar, inclusivamente, que até se verifica o contrário. As novas donas de casa, pode dizer-se que o são no pleno exercício da mais pura liberdade, graças à educação e à possibilidade de ser independentes.

Aceprensa, n.º 19/07

Tradução e adaptação: Maria Helena H. Marques
Professora do Ensino Secundário

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu gosto da Eva Herman não só pela inteligencia mas sobretudo por saber colocar questões acerca de sermos e estarmos...