quinta-feira, 28 de junho de 2007

«As mulheres portuguesas são parvas!»


«Quando casei, o que de mim se esperava, além da procriação continuada, era que passasse o dia a arrumar a casa, a cozinhar pratos requintados e a vigiar a despensa.
Hoje, a estas tarefas vieram juntar-se outras.
Nos últimos tempos, fui entrevistada por vários jornais, os quais, suponho que devido à crise económica, me enviaram mulheres muito novas. Eram geralmente bonitas, espertas, altas, modernas e rápidas.
Eis, pensei, a Nova Mulher.
Inesperadamente, o final das conversas tendeu a escorregar para a dificuldade que elas encontravam na compatibilização entre o trabalho e a maternidade. (...)
Suponho que o facto de ser mulher, mãe e avó, convida a estas confissões imprevistas. Não me importei: as revelações das jovens serviram para me mostrar que as novas gerações femininas, pelo menos as da classe média, não têm a vida mais facilitada do que eu a tive há quarenta anos. (...)
É isto que um trabalho, publicado por Karin Wall, do Instituto de Ciências Sociais, e por Lígia Amâncio, do ISCTE, veio demonstrar.
A quase totalidade dos portugueses (93%) considera que, num casal, tanto o homem quanto a mulher devem trabalhar fora de casa, mas um número impressionante (78%) diz que uma criança pequena sofre quando a mãe trabalha.Cerca de metade da população afirma que as mães se deveriam abster de trabalhar quando têm filhos com menos de seis anos. Ora, devido aos salários reduzidos da maioria dos trabalhadores masculinos, Portugal possui a mais alta taxa de emprego feminino da Europa, uma situação que só pode conduzir a que as portuguesas vivam em estado permanente de culpabilidade.

Mas há mais. Os portugueses excedem-se verbalmente no seu amor pelas crianças: para 62 por cento, os indivíduos que não têm filhos levam uma "vida vazia".
Ora, são estes senhores, que tanto dizem amar os filhos, que se não dão ao trabalho de lhes mudar as fraldas, de os levar ao médico ou de os alimentar.
As mulheres portuguesas gastam três vezes mais horas do que os homens na lida doméstica: elas despendem, por semana, vinte e seis horas, eles apenas sete, o que dá uma diferença de dezanove horas semanais, uma média superior à europeia.
As portuguesas continuam a ser exploradas, como se nada se tivesse passado desde o momento, na década de 1960, em que a minha geração ergueu a bandeira da emancipação feminina.
Algumas das jovens, que responderam ao inquérito, declararam conformar-se com a distribuição do trabalho vigente, chegando a dizer que "nós nunca nos zangamos por causa das tarefas domésticas", continuando a lavar a roupa, a passar a ferro e a mudar fraldas, como se os filhos não fossem responsabilidade de ambos.
Sei, por experiência própria, que é mais fácil fazer greve às tarefas domésticas do que ao tratamento dos filhos. Apesar das minhas resistências iniciais, acabei por admitir que existe um laço afectivo diferente entre a mulher, que teve de carregar um feto na barriga durante nove meses, e o homem que se limitou a depositar nos ovários um montinho de espermatozóides. Mas isto não explica a exploração a que as minhas compatriotas são sujeitas, não só pelos maridos, como por uma sociedade que continua a atribuir-lhe todos os males contemporâneos, do consumo juvenil da droga à anomia cerebral dos alunos.

Nunca esperei que a situação fosse tão má quanto a que este inquérito revela. Na minha ingenuidade, pensei que, na História, havia domínios - sendo um deles a emancipação feminina - em que tinham verificado progressos. Depois de ler estes dados, tenho dúvidas.
Algumas raparigas ainda parecem pensar que a sua única função no Universo consiste em desempenhar os papéis de esposas devotadas, seres paranoicamente ocupados com a limpeza do pó e mães tão excelsas quanto a Virgem Maria.

De certa forma, o destino das raparigas na casa dos trinta ou quarenta anos corre o risco de ser pior do que o meu. Quando casei, o que de mim se esperava, além da procriação continuada, era que passasse o dia a arrumar a casa, a cozinhar pratos requintados e a vigiar a despensa. Hoje, a estas tarefas vieram juntar-se outras. As mulheres modernas são também supostas ser boas na cama, profissionais competentes e estrelas nos salões. Mas isto é uma utopia.
Nem a mais super das supermulheres pode levar as crianças à escola, atender os clientes no escritório, ir à hora do almoço ao cabeleireiro, voltar ao escritório onde a espera sempre um problema urgente, fazer compras num destes modernos supermercados decorados a néon, ler umas páginas de Kant antes de mudar as fraldas do pimpolho, dar um retoque na maquilhagem, telefonar a três "babysitters" antes de arranjar uma, ir ao restaurante jantar com os amigos do marido, discutir a última crise governamental e satisfazer as fantasias sexuais democraticamente difundidas pelos canais de televisão.
Estou a falar, note-se, de mulheres socialmente privilegiadas. A vida das pobres é um inferno sem as consolações de que as suas irmãs de sexo, apesar de tudo, usufruem.

É por isso que a luta tem de continuar.
Não sei se sou "feminista", nem me interessa debater a questão terminológica. Sei que sou contra todas as injustiças e, entre elas, contra a ideologia que nos quer manter encerradas numa Casa de Bonecas.
Ao longo dos anos, tenho ouvido de tudo, incluindo mulheres que dizem estar contra a emancipação feminina. Pensei então que não valia a pena perder tempo com tontas.
Mais madura, considero hoje que o melhor é retirar-lhes o direito ao voto, o direito ao divórcio e a protecção legal contra a violência doméstica.
Se gostam de ser escravas, que o sejam. Acabou-se o tempo das contemporizações.
Quem luta, tem direitos; quem se resigna, fica de fora.»

(Obrigada queridíssima Sofia O, pelo contributo indirecto!
Texto de Maria Filomena Mónica, enviado directamente das terras do Sol Nascente)

1 comentário:

Anónimo disse...

Algumas são outras... gosto de pensar que... ultrapassam o "cliché" e tudo o resto...